Porque eu insisto em uma árvore de Natal acesa todas as noites nesta casa vazia? Talvez porque sou de Touro e preciso de coisas de raiz, de terra. Porque Natal, com árvore, bolas e luzes é um pouco isso – coisa de raiz.
Quando chega a noitinha de verão, escaldante, acendo as luzes da árvore tão enfeitada, que parece jegue em dia de Lavagem do Bonfim. E uma alegria estranha insiste. A alegria das crianças correndo entre a frente da casa e o quintal – eu era uma delas. Riamos, corríamos, brincávamos com pintos e galinhas. Subíamos em mangueira, jaqueira, tomávamos banho de mangueira, construíamos casinhas para as bonecas, ficávamos de mal por eternos quinze minutos, para depois nos eternizarmos na nossa beleza de infância.
Nas vésperas de Natal todos os netos de Seu Justo e D. Darça se reuniam com tios, tias para arrumar a grande árvore. Era um imenso galho seco enfeitado de algodão ornado com anjos, santos, bolas, gotas, todos de vidro, exigindo uma delicadeza jamais vista. Por fim, acendíamos as luzes do pisca-pisca, e a estrela no alto se unia ao presépio no pé da árvore, anunciando a chegada no menino Jesus.
Era o momento de ensaiarmos o nosso Alto de Natal. Minha mãe, meu pai e minhas tias e tios faziam orações, e contavam a história do nascimento de Cristo, caracterizados de Sagrada Família, e nós, vestidos de anjos, cantávamos Hosanas ao Senhor! Quanta beleza e alegria! Entre a seriedade do momento sacro e as brincadeiras de criança, íamos construindo a nossa identidade, criando as nossas raízes, em torno do grande Patriarca Sr. Justo e da grande Mãe D. Darça. Memória eternamente viva. Coisa de raiz e de árvore. Coisa de floresta, com seus cantos e ritos de passagem entre uma estação e outra, entre uma comemoração e outra, entre a missa e a festa.
Ontem achei na madrugada solitária, motivo para chorar saudades. Saudades do que um dia graças à Deus eu tive e vivi e do que ainda quero viver. Amanheci com essa face carcomida pelo tempo e com a insistência do ser menina que favorece a minha vaidade. Fiquei insistindo na auto-piedade, afirmando estar numa vida que não é minha. Essa vida não é a que escolhi. Mas não me falhe a memória da minha programação, acho que em algum instante da juventude devo ter desejado tudo – família, filhos, encontros e solidão. Agora estou nessa última fase, o que me remete à primeira, dizendo como as luzes a piscar, que só há uma alternativa – sair do estar só. Adormeci, para encontrar nos sonhos o que fugia das minhas mãos.
Hoje não esperei anoitecer para ligar o pisca-pisca. Acendi a árvore de Natal, para que ela tome conta de mim. E ela, vigilante me olha, e me diz que suas raízes profundas me prendem à terra fértil da minha infância e que a solidão é puro capricho de mulher. As raízes, quanto mais buscam águas longínquas, mais se tornam resistentes, mais crescem. E o que na superfície parece ser pequeno vegetal, nas entranhas da terra se revela imensa árvore. Sou essa árvore de raízes profundas a buscar a Água Viva. Estou presa às minhas memórias de uma forma inexorável, porque, neta de Justo e Darça não pode se dar ao luxo de sentir fraquezas. Sabe do movimento da vida em torno da semente, sabe de como as coisas amadurecem e se estendem, se expandem. Sabe ser família e agregar à sua família de raiz, amigos, vizinhos, viajantes, companheiros, desabrigados, ricos e pobres.
Entendo porque enquanto tantas mulheres apagam as suas luzes e deixam sua árvore em caixas acumulando poeira, para ficar remoendo perdas, eu insisto em viver o Natal tal qual a minha infância me ensinou. Aquele Natal em que a dor da perda se agrega à alegria de Cristo Vivo em nós. Em que o consolo está na fé e na humildade por aceitar sem lamúrias a oportunidade de crescer. Tempo de perdoar e pedir perdão, de confessar ao padre e pagar penitências, de lavar as roupas de seda, toalhas de renda, e colocar amaciante para deixar tudo com cheiro de lavanda ou patichouli. Tempo de ir à Igreja do Bonfim assistir missa, e depois ir ao Centro Espírita renovar as energias, confraternizar com os amigos. Tempo de deixar o menino Jesus renascer em nós. De aprender a amar.
Neste Natal, que começa com uma tristeza, por não sei o que, se configura em alegria e saudade. Meus avós redivivos em nossos corações, presentes pela misericórdia Divina em nossas vidas, continuam a celebrar conosco a alegria do encontro, a festa da família. Sinto a sua presença nas noites frias de solidão, aquecendo meu coração que os reverencia e os agradece de tanto amor. Dão-me a certeza de que a família não se desfaz, apenas se afasta um pouco para aprender o que junto não se aprende.
Neste Natal, não teremos folhas de pitanga perfumando a casa, nem angélicas trazendo o branco da paz. Nem teremos crianças subindo e descendo, derrubando objetos, brincando de esconde-esconde. Também não teremos tios tomando vinho e contando piadas, nem tias preparando a mesa imensa com a ceia requintada e farta. Também não teremos meu avô Justo, minha avó Darça, tio Hélio, vovó Pretinha, que já partiram para o mundo Maior.
Terei minha filha, que não participou destas memórias, mas é fonte de renovação, de amor e completude. Terei meus pais, exemplos de amor, coragem, sacrifício e abnegação. Meu sogro, exemplo de compaixão, solidariedade e amor incondicional. Meus sobrinhos de coração, minhas irmãs. Meus cunhados. Meus primos. Meu amor. Que perto ou longe, estamos juntos. Terei meus amigos do Pai Jamilton, do blog, do msn, do face, do orkut, das comunidades, do chat, do MADA, da Casa do Sol, da Pastoral da Pesca, do Movimento dos Pescadores, do Quilombo do Orobu, das Escolas, creches e Universidades por onde trilho, e tantos outros. Gente, onde está a solidão? Pura ilusão.
Terei minha filha, que não participou destas memórias, mas é fonte de renovação, de amor e completude. Terei meus pais, exemplos de amor, coragem, sacrifício e abnegação. Meu sogro, exemplo de compaixão, solidariedade e amor incondicional. Meus sobrinhos de coração, minhas irmãs. Meus cunhados. Meus primos. Meu amor. Que perto ou longe, estamos juntos. Terei meus amigos do Pai Jamilton, do blog, do msn, do face, do orkut, das comunidades, do chat, do MADA, da Casa do Sol, da Pastoral da Pesca, do Movimento dos Pescadores, do Quilombo do Orobu, das Escolas, creches e Universidades por onde trilho, e tantos outros. Gente, onde está a solidão? Pura ilusão.
Continuemos então com o pisca-pisca, com as bolas de Natal e as nossas raízes cada vez mais profundas, anunciando a chegada do Menino Jesus em nossos corações. Sejamos as nossas raízes a anunciar o Natal revivido em nós.
Um comentário:
Amei tudo você e muito abençoada por Deus eu amo tudo que você faz mim ajuda bastante.Muito obrigado!!!!bjs para você e sua família.
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